O Futuro do Mobiliário Sustentável: Entrevista com arquiteta Rita Gomes

A arquiteta Rita Gomes tem redefinido os limites do design sustentável. Com uma década de experiência em projetos de arquitetura, tanto a nível nacional como internacional, é uma pioneira na integração de energias renováveis no dia a dia. A sua trajetória culminou na criação da Seenergy em 2023, uma iniciativa que combina estética, funcionalidade e responsabilidade ambiental, ao incorporar tecnologia solar em mobiliário decorativo. Nesta entrevista, exploramos a inspiração por trás desta inovação, os desafios enfrentados e como o reconhecimento internacional tem impulsionado a sua visão de um futuro onde o design consciente e ambientalmente responsável é acessível a todos.

Fale-nos um pouco de si, do seu percurso até aqui.
Com formação em Arquitetura e com 10 anos de experiência na área, trabalhei em diversos projetos nacionais e internacionais. O crescente interesse pela construção sustentável e pela política ambiental levou-me a explorar o potencial das energias renováveis para além dos seus limites tradicionais. Tenho procurado integrar as energias renováveis na nossa vida quotidiana, não apenas funcionalmente, mas também esteticamente, combinando o design inovador com a eficiência energética.

 

O seu projeto é verdadeiramente revolucionário, especialmente porque combina design elegante com tecnologia de energia renovável de uma forma que nunca tinha sido aplicada antes. Pode contar-nos um pouco sobre a inspiração por trás da criação desta linha de mobiliário? Como surgiu a ideia e o que a motivou a seguir por este caminho?
A criação da Seenergy em 2023 representa o culminar das minhas experiências e do meu compromisso em desenvolver soluções de design exclusivo e sustentável, que integram sistemas de energia renovável em mobiliário decorativo. A inspiração surgiu do desejo de combinar estética e funcionalidade de uma forma acessível e inovadora. Começámos a explorar a tecnologia de células solares sensibilizadas por corantes (DSSC) devido às suas características únicas: são coloridas, de baixo custo e eco-amigáveis em comparação com as células solares tradicionais, o que reduz significativamente o impacto ambiental associado à sua fabricação. O processo de incorporação destas células solares de forma harmoniosa em peças de mobiliário e de arte permite desenvolver produtos esteticamente apelativos que enriquecem os espaços habitacionais, mas também contribuem ativamente para a redução da pegada de carbono. Estamos a oferecer uma solução que vai além da funcionalidade convencional do mobiliário e a proporcionar às pessoas uma fonte de energia sustentável e acessível que se integra perfeitamente nas suas vidas.

Durante o desenvolvimento deste projeto inovador, quais foram os principais desafios que enfrentou? Houve algum momento decisivo que mudou a direção do projeto?
Enfrentamos vários desafios. Um dos principais foi encontrar a harmonia perfeita entre forma e função ao integrar a tecnologia solar no mobiliário. A personalização das cores e padrões das células solares precisavam garantir a máxima eficiência na captação de energia solar, sem comprometer a eficiência energética. Assegurar essa customização sem perda de desempenho foi um ponto crítico no processo de desenvolvimento. Outro desafio foi garantir a durabilidade e resistência dos produtos em diferentes condições ambientais. A colaboração com investigadores da Universidade do Porto foi essencial para assegurar que a integração das células solares no mobiliário mantivesse a qualidade e a durabilidade dos produtos finais. Apesar dos desafios, cada obstáculo superado foi uma oportunidade de aprendizagem.

 

Pode explicar em maior detalhe como as células solares funcionam no mobiliário? Qual o processo de conversão da luz em eletricidade e como a energia é armazenada na bateria integrada nas peças?
As inovações tecnológicas da Seenergy são centradas no uso de células solares sensibilizadas por corantes (DSSC). Estas células utilizam as propriedades da cor para gerar uma corrente elétrica, semelhante ao processo de fotossíntese nas plantas, sendo capazes de converter energia solar em eletricidade através de material semicondutor. Uma vez recolhida, a energia é armazenada em baterias integradas nas peças de mobiliário. Ao contrário dos painéis solares tradicionais, que são opacos, as células DSSC são caracterizadas pela sua transparência e possibilidade de personalização em várias cores. Além disso, não necessitam de incidência direta de luz solar, permitindo que sejam eficientes em ambientes de luz interior e difusa. Isso abre novas oportunidades, abordando a falta de soluções interiores que gerem, armazenem e utilizem de forma independente fontes de energia renováveis.

Tem  previsão para o lançamento desta linha de mobiliário no mercado? Há alguma informação exclusiva que possa partilhar sobre a disponibilidade ou características das peças?
Trabalhamos em colaboração e parceria com equipas e laboratórios de investigação da Universidade do Porto, bem como especialistas e entidades no campo da energia solar e engenharia. Estascolaborações têm sido importantes para aceder a conhecimentos especializados nesta tecnologia e recursos que estão a acelerar o desenvolvimento dos produtos. Atualmente, estamos a desenvolver uma mesa de cabeceira alimentada por energia solar, onde todo o tampo é composto por células solares sensibilizadas por corantes (DSSC’s), tendo outros produtos previstos para uma fase posterior.  O nosso objetivo é começar a lançar produtos no mercado já no próximo ano, estando neste momento em fase de aperfeiçoamento e testes dos protótipos para garantir a máxima eficiência e qualidade.

Conte-nos um pouco da experiência de ver o seu projeto reconhecido internacionalmente com o Prémio Europeu de Energia Sustentável? De que maneira esse reconhecimento impactou a sua carreira e a visibilidade do projeto?
Em novembro de 2023, conquistámos o 1º prémio na categoria de New European Bauhaus do programa EIT Jumpstarter, promovido pelo Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia. Este reconhecimento foi um contributo importante para a fase de ideação do projeto e incluiu um investimento de 10 mil euros. Em junho de 2024, fomos distinguidos com o Prémio Europeu de Energia Sustentável na categoria de Mulheres na Energia, o que destacou o contributo feminino e apoiou a igualdade de oportunidades em projetos inovadores no setor da energia. Estes prémios validam que os nossos esforços estão alinhados com os objetivos da União Europeia em matéria de sustentabilidade, criatividade e inclusão, demonstrando que estamos no caminho certo para causar um impacto significativo neste domínio. O reconhecimento internacional proporcionou uma visibilidade considerável ao projeto, promovendo novas parcerias, atraindo investimentos e oferecendo a oportunidade de participar em eventos internacionais dedicados às energias renováveis e à eficiência energética na Europa, que reúnem entidades públicas, privadas e ONGs.

 

Na sua opinião, qual será o impacto desta linha de mobiliário na indústria da arquitetura e do design sustentável? E quais são os seus planos futuros?
Ao transformar objetos do quotidiano em produtores de eletricidade, estamos a oferecer uma solução que vai além da funcionalidade convencional do mobiliário, proporcionando às pessoas uma fonte de energia sustentável e impulsionando a adoção generalizada de fontes de energia renovável, democratizando o acesso à energia solar. A Seenergy tem planos ambiciosos e inovadores para o futuro, tanto a médio como a longo prazo, que refletem uma visão comprometida com a sustentabilidade, inovação tecnológica e expansão de mercado. Nos próximos dois anos, o foco da Seenergy será a consolidação do processo de produção e comercialização dos produtos. Este período inclui a finalização dos protótipos e o início da fabricação de várias peças de arte, bem como a parceria com empresas do setor e distribuidores para expandir o alcance no mercado. A longo prazo, estamos a explorar estratégias de entrada no mercado internacional, identificando regiões onde a sustentabilidade e a inovação são valorizadas. O desafio será aprimorar a eficiência e a estética, mantendo a acessibilidade para os consumidores. Além disso, pretendemos explorar novas aplicações da tecnologia em arquitetura, construção e mobiliário urbano, visando democratizar ainda mais o acesso à energia solar.